Ainda que seja um dos dois clubes que mais conquistaram títulos na história recente do futebol brasileiro, o Flamengo passa com alguma frequência pela chamada "crise na Gávea". Treinadores são demitidos em série, jogadores se desentendem com dirigentes, questões do futebol.
Que papel tem o dinheiro nesses momentos conturbados? Nenhum. Ou melhor: se em tempos longínquos o clube rubro-negro entrava em crise justamente pela falta de grana, hoje é a sobra dela que alivia a situação. A área financeira conduz a associação sem dar margem para críticas.
O primeiro número a chamar atenção é sempre o da receita. Mais de R$ 1 bilhão em faturamento! Nenhum outro clube brasileiro chegou lá, e o Flamengo passou dessa marca já pela segunda temporada consecutiva. Superavit acima dos R$ 100 milhões também virou rotina.
Os gastos são muito altos, também os maiores do país, mas não há o que contestar. Sendo uma associação civil sem fins lucrativos, não há proprietário que vá demandar dividendos. A finalidade é unicamente esportiva e continua a consumir o dinheiro gerado por outras áreas.
O grande risco para um clube nessa situação é se deixar levar e gastar demais, a ponto de registrar prejuízos e gradativamente perder controle sobre o endividamento. Não é o caso do Flamengo.
Com uma dívida que vem sendo reduzida desde o começo da pandemia e mais uma quantia exorbitante em caixa – para os padrões de um clube de futebol brasileiro, ter quase R$ 240 milhões disponíveis é uma raridade –, o clube está em posição confortável para encarar presente e futuro.
O ponto de interrogação está no que será feito desse dinheiro. Começará um novo ciclo de investimentos em atletas? O plano do estádio próprio será levado adiante com parte desse caixa, talvez? Para que o Flamengo vem se preparando financeiramente? Cenas dos próximos capítulos. Por hoje, o episódio mostra em detalhes o que está descrito nas demonstrações contábeis mais recentes, referentes a 2023.
A relação entre faturamento (tudo o que foi arrecadado em cada ano) e endividamento (o que havia a pagar no último dia de cada exercício) raramente esteve tão favorável ao Flamengo quanto agora. É como um cidadão que tivesse chegado ao seu maior salário da vida, ao mesmo tempo em que pagou suas dívidas e abriu espaço no orçamento.
Se os números forem compreendidos em ciclos, a impressão é de que a diretoria rubro-negra iniciou um forte ciclo de investimentos em 2019 e vem baixando seus compromissos, ano a ano, desde o começo até o fim da pandemia. Em 2023, sem tantas obrigações acumuladas, pode-se iniciar um novo ciclo de investimentos – sobretudo em atletas.
Quem arrecada muito gasta muito. Quanto maior o gasto no futebol, maior a probabilidade de vitória dentro de campo. E no caso do Flamengo existem particularidades, em relação à folha salarial.
No método adotado pelo ge, ela equivale a tudo o que indica a remuneração do futebol. Salários, encargos, direitos de imagem e de arena, premiações e deduções de natureza previdenciária.
Por ter sido campeão tanto da Copa do Brasil quanto da Libertadores, é natural que a diretoria divida as premiações dessas competições com o elenco campeão. Contabilmente, isto faz com que as gratificações (bichos) aos atletas inflem a folha. Já direito de arena e INSS são calculados sobre a receita. Quanto mais o clube fatura, maior o gasto.
Essas explicações se tornam necessárias para compreender a natureza do gasto. Existe uma parte da folha salarial que é escolhida pela diretoria: quanto se gasta com salários, consequentemente com encargos, e com direitos de imagem. Existe outra parte que está vinculada a sucesso esportivo (premiações) ou condicionada à receita (direito de arena e INSS).
Esclarecimentos à parte, o Flamengo teve em 2022 a maior folha do futebol brasileiro. E teve também resultados condizentes com o favoritismo que o dinheiro lhe confere, ao levantar os troféus da Copa do Brasil e da Libertadores. O quinto lugar não chega a ser um demérito.
FLAMENGO | 2022 |
Folha salarial | R$ 469 milhões |
Ranking da folha | 1º |
Brasileiro | 5º |
Copa do Brasil | Campeão |
Libertadores | Campeão |
Sul-Americana |